sexta-feira, 13 de junho de 2008

Holocausto à sua mesa

Estive nos últimos dias revendo alguns documentários sobre o Holocausto.
 
O tema me remeteu automaticamente a uma campanha do PETA (People for the Ethical Treatment of Animals) de 2003 chamada "Holocaust on your plate", onde foram apresentados 8 outdoors com imagens de vítimas de campos de concentração nazistas ao lado de imagens de animais em abatedouros.
 
A campanha causou tremendo desconforto e crítica na mídia internacional.
 
 
 
Camp prisoners in bunks on left, chickens in cages on right; "To animals, all people are Nazis"
 
  
Holocaust Cow
 
 
Holocaust Pig
 
 
Holocaust Pig2
 
Holocaust Chicken
 
 
 
 
 
 
Segundo muitos, a comparação entre vítimas do holocausto e animais para abate resultou ser controversa e muito criticada por grupos contrários ao anti-semitismo como a ADL (Anti-Defamation League) e o United Stated Holocaust Memorial Museum.
 
Enquanto alguns argumentam que o uso de imagens do Holocausto por ativistas de direitos animais era uma tática pertubadora, outros argumentam que o uso dessas imagens enfraquece o movimento contrário ao anti-semitismo.
 
À epoca, o chairman da ADL, Abraham Foxman, declarou que a exibição era "chocante, ofensiva e conduzia o chutzpah a novos patamares". "O esforço do PETA em comparar deliberadamente o assassinato sistemático de milhões de judeus ao tema de direitos animais é abominável". Stuart Bender, conselheiro legal da United Stades Holoucaust Memorial Museum, escreveu ao PETA pedindo-lhes que "parem e desistam desse reprovável mau uso de material relacionado ao Holocausto".
 
A campanha foi lançada acompanhada de dizeres (alguns de autores judeus reconhecidos) tais como :
 
"Durante os sete anos entre 1938 e 1945, 12 milhões de pessoas pereceram no Holocausto. O mesmo número de animais é executado a cada quatro horas para a ind´sutria alimentícia somente nos EUA. O Holocausto está na sua mesa".
 
"O mesmo princípio que tornou o Holocausto possível - o de que nós podemos fazer qualquer coisa que desejemos com aqueles que nós decidamos serem 'diferentes ou inferiores' - é o que nos permite cometer atrocidades contra animais todo dia".
 
"[Durante o Holocausto] pessoas eram espancadas, abusadas, e agrupadas para morrer. Hoje, 28 bilhões de animais por ano nos EUA são sujeitos a tratamento similar".
 
"Auschwitz começou a partir do momento em que alguém olhou para um abatedouro e pensou: são apenas animais" (filósofo judeu alemão Theodor Adorno).
 
"Como os judeus executados em campos de concentração, animais são aterrorizados quando eles são contidos em depósitos e manipulados para encomenda de abate. O couro do seu sofá e a sua bolsa de tiracolo são equivalentes morais aos abajures feitos de peles de pessoas mortas nos campos de concentração".
 
Em 2005, Ingrid Newkirk (presidente do PETA) publicou um comunicado de retratação referente ao tema :
 
"Hard as it may be to understand for those who were deeply upset by this campaign, I was bowled over by the negative reception by many in the Jewish community. It was both unintended and unexpected. The PETA staff who proposed that we do it were Jewish, and the patronage for the entire endeavor was Jewish. We were careful to use Jewish authors and scholars and quotes from Holocaust victims and survivors ... We believe that we humans can and should use our distinctive capacities to reduce suffering in the world ... Our mission is a profoundly human one at its heart, yet we know that we have caused pain. This was never our intention, and we are deeply sorry. We hope that you can understand that although we embarked on the "Holocaust on Your Plate" project with misconceptions about what its impact would be, we always try to act with integrity, with the goal of improving the lives of those who suffer. We hope those we upset will find it in their hearts to work toward the goal of a kinder world for all, regardless of species"
 
"Tão difícil quanto possa ser para alguns entender os que ficaram profundamente chateados com esta campanha, eu fiquei surpresa pela recepção negativa de muitos membros da própria comunidade judáica. O resultado foi inesperado e não intencional. O comitê do PETA que propôs a campanha era essencialmente judeu, e o patrocínio de toda esta campanha foi financiada por judeus. Fomos cuidadosos em usar autores e acadêmicos judeus assim como citações de vítimas e sobreviventes do Holocausto... Acreditamos que nós humanos possamos e devamos usar nossas capacidades de discernimento para reduzir o sofrimento no mundo... Sendo nossa missão profundamente humanística em sua essência, entendemos que nós causamos dor com esta empreitada. Esta nunca foi nossa intenção e nós sentimos profundamente por tudo isso. Esperamos que vocês possam entender que embora tenhamos embarcado no projeto "Holocausto na sua mesa" com más concepções sobre o impacto que este teria, sempre tentamos agir com integridade objetivando melhorar as vidas daqueles que sofrem. Esperamos que aqueles que tenhamos chateado, possam encontrar em seus corações forças em direção ao objetivo de um mundo mais gentil para todos, não importa a que espécie pertençam".
 
Desde então há um melindre muito grande de grupos ativistas pelos direitos animais em usar material "sensível à sociedade", evitando com isso diminuir o efeito de suas campanhas (já tão difíceis de emplacar).
 
Minhas impressões quanto ao tema :
 
O Holocausto foi um fato.
Milhões de pessoas morreram (não somente judeus: ciganos, prisioneiros politicos, crianças, homossexuais, etc) em detrimento de uma filosofia política em particular (a do Nacional Socialismo Alemão). De longe não é o maior genocídio da história (desnecessário citar a Revolução Russa e Chinesa Imperialista), mas seguramente é a que despertou maior comoção ocidental.
 
Os campos de concentração tinham por objetivo separar prisioneiros "úteis" dos "inúteis" (separar crianças, idosos, deficientes dos homens e mulheres aptos a trabalhos forçados) e sanear guetos de concentração da comunidade judáica.
 
Homens eram forçados a trabalhar na construção dos próprios campos de concentração e extermínio de prisioneiros (assim como na confecção de material bélico) e mulheres eram usadas como empregadas dos oficiais nazistas ou como classificadoras de pertences apreendidos (dinheiros, jóias, documentos, etc).
 
Isto é : Prisioneiros de campos de concentração eram usados de forma objetiva e direcionada. Eram considerados tão descartáveis como simples objetos.
 
Da mesma forma como negros e mulheres foram tratados há algumas décadas.
 
Da mesma forma como animais são tratados há séculos.
 
A campanha do PETA atingiu o nervo sensível da comunidade judáica que, evidentemente, reluta em alimentar lembranças negativas de entes queridos que sofreram nesse sistema. Isso é louvável. Ninguém gosta de relembrar como pessoas amadas foram tratadas de forma "desumana". Mesmo à mesa do jantar.
 
Curiosamente, assistindo documentários da BBC sobre sobreviventes do Holocausto, todos (absolutamente todos os entrevistados) declaram ter sido tratados como animais ou, segundo eles, "de forma que nem mesmo um animal deve ser tratado".
 
E mesmo assim, tenho sérias dúvidas que os mesmos sobreviventes tenham passado a ver com outros olhos o que comem diariamente. Duvido muito.
 
Ou seja : X pode; Y não pode (onde X = Y).
 
Até hoje não ficou clara e coerente a real razão da crítica à campanha do PETA.
 
Se por um lado há crítica quanto ao uso de uma triste memória para uma associação de idéias, não se pode negar que os fatos apresentados são plenamente reais e igualmente desencadeadores de sofrimento de terceiros em escala grandiosa.
 
Se por um lado o extermínio de judeus tinha cunho político e filosófico (sub-raça), condicionando-os a servir ou como força de trabalho/objeto, os mesmos eram exterminados quando seu fim não atendia aos objetivos dos mandantes da época.
 
Os críticos também temem que a associação entre o "parcial" vegetarianismo de Hitler e a causa dos Direitos Animais busque suavizar as atividades do regime nazista (o que claramente não foi a intenção).
 
Ainda que Hitler tenha sido "vegetariano", vincular uma conduta alimentar com uma filosofia de vida é de um amadorismo e conveniência gritante.
 
Alguns fatos :
 
Hitler tornou-se vegetariano essencialmente por problemas estomacais. Seu desconforto gástrico (aos 22 anos em Viena) foi amenizado pelo não-consumo de carne, uma vez que ele receava ser o desconforto um sinal inicial de câncer, moléstia essa que matou sua mãe Klara Hitler.
 
Hitler foi abstêmio, não-fumante e vegetarianopelo período de 1931-1945, infulenciado pelas teorias anti-semitas do compositor Richard Wagner que associava o futuro da Alemanha ao vegetarianismo. Hilter acreditava que sendo vegetariano podia ao mesmo tempo atenuar seus problemas de saúde assim como "regenerar" a raça humana.
 
Ainda que alegasse ser vegetariano, há registros de que Hitler consumia carne com regularidade na década de 30, em particular alguns pratos da culinária alemã que ele muito apreciava. Mais velho, tornou-se vegetariano mais rigoroso. No entanto acabava consumindo produtos animais em suas sopas (tutano de boi) sem conhecimento, uma vez que sua nutricionista Marlene von Exner desprezava sua dieta vegetariana.
 
Hitler também reprovava o uso de cosméticos que tivessem derivados animais em sua constituição.
 
Hitler gostava de dizer (para próprio deleite) durante jantares com convidados carnívoros o seguinte comentário : "Isso mostra quão covardes as pessoas são. Elas não podem encarar-se a si mesmas fazendo algumas coisas horríveis, mas elas desfrutam plenamente os benefícios dessa mesma atitude sem um pingo de dor na consciência".
 
Também observa-se em um registro de 25 de abril de 1943 do diário de Joseph Goebbels (The Goebbles´ Diaries) o seguinte comentário : "Uma boa parte de minha conversa com o Fuhrer foi devotada à causa vegetariana. Ele acredita mais do que nunca que o consumo de carne é nocivo à humanidade. É claro que ele sabe que durante a guerra nós não podemos 'chatear' completamente nosso organismo. Depois da guerra, entretanto, ele pretende lidar com esse problema também. Talvez ele esteja certo. Certamente os argumentos que ele sustenta em favor de seu ponto de vista são muito coerentes".
 
Assim, a crítica fez questão de associar de forma disparatada a associação "PETA - Hitler/Nazismo" enquanto a própria PETA fez questão de deixar claro que a associação veiculada em sua campanha girava ao redor da idéia "Judeus/Animais - Extermínio em massa".
 
Como é possível constatar, qualquer pesquisa sobre o tema não mostra qualquer argumentação digna de lógica.
 
O auto-engano e a manutenção de um costume (comer carne) são as desculpas para o benefício egóico do Homo sapiens.
 
Custe o que custar.
 
 
 

quinta-feira, 12 de junho de 2008

I am an animal - Documentário HBO

 
Estréia : HBO - 9 de julho de 2008
 
Trecho de entrevista de Ingrid Newkirk
 
"I think that animals are the most vulnerable of all victims, because not being human they are so easy to dismiss. It is the ultimate prejudice, really. Even if you are being rude or hurting somebody of another race or religion, there's something that pulls most people up short, because they realize they're human beings. But if you don't even have that going for you, then it's very easy to be treated like dirt, like an inanimate object."
 
Tradução livre :
 
Eu acho que os animais são as mais vulneráveis de todas as vítimas, uma vez que não sendo humanos, torna-se tão fácil ignorá-los. Na verdade, este é o cúmulo do preconceito. Mesmo se você estiver sendo rude ou agressivo com alguém de outra raça ou religião, existe algo que estimula a maioria das pessoas a reagirem, pelo fato delas perceberem que são seres humanos da mesma forma. Mas se você não entende aquilo como algo feito a você, então é muito fácil aceitar ser tratado como algo sujo, ser tratado como um objeto inanimado.
 

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Dignidade com as cobaias

Acho tão patético quando o H.sapiens utiliza-se de uma lógica parcial e hipócrita para condenar uma dada atividade, quando a pratica descaradamente em outras situações.

O uso da palavra dignidade é seguramente usada sem real obediência ao seu significado mais básico.

Associação denuncia uso de cobaias humanas em pesquisas de malária (03/06/2008 - 15h41)

União e governo do Acre foram intimados a prestar esclarecimentos à Justiça. Segundo instituição, uso de agentes como 'iscas' viola os direitos humanos.
O juiz Jair Araújo Facundes, da 3ª Vara da Justiça Federal do Acre, intimou nesta terça-feira (3) o governo do Acre e a União a se manifestarem sobre denúncias do uso de cobaias humanas em pesquisas contra a malária. O despacho foi feito após a Associação Brasileira de Apoio e Proteção aos Sujeitos da Pesquisa Clínica (Abraspec) entrar com uma ação civil pública contra a União e o governo do Acre na semana passada.

O presidente da Abraspec, Jardson Bezerra, disse ao G1 que pelo menos nove agentes entomológicos moradores da região do Vale do Juruá denunciaram que foram obrigados a levar picadas e oferecer amostras de sangue, alem de ficar com o corpo nu, exposto aos mosquitos, com o objetivo de capturar insetos. Em troca, eles receberiam salário de aproximadamente R$ 850. A prática seria comum no estado desde o ano 2000.  

"Essa prática não pode continuar, porque viola os direitos humanos. Há uma resolução do Ministério da Saúde que determina que em todas as pesquisas que envolvem seres humanos deve ser dado tratamento digno aos participantes. O Acre viola essas regras. Há má administração de dinheiro público. A verba não pode ser usada para nada que prejudica a saúde pública e essas ações podem disseminar a doença", diz Bezerra. 

De acordo com Bezerra, lâminas com amostras de sangue eram lavadas e reutilizadas, o que expõe os agentes ao risco de contraírem doenças como hepatite e Aids. "Deixou de ser um risco para os agentes e passou a ser um risco para a saúde pública, já que eles podem transmitir doenças para outras pessoas, inclusive para suas famílias", diz

Procurada pela reportagem do G1, a Advocacia-Geral da União informou que ainda não foi notificada. Representantes do estado do Acre também informaram que o estado ainda não recebeu a intimação.

Falta de provas

O procurador da República no Acre, Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, designado para o inquérito que investiga o caso, afirmou que está reunindo provas. Por enquanto, ele recebeu uma cópia da petição inicial da ação civil pública em que é pedida a adoção de medidas e punição para os responsáveis.

"O Ministério Público só poderá integrar a ação quando receber provas. Ainda não tenho como saber se isso poderá ser provado ou não. Há pessoas que dizem possuir fotos e documentos que comprovem a prática, mas ainda não recebemos", disse Cordeiro Lopes.

Nota oficial

O secretário de Estado de Saúde, Osvaldo de Sousa Leal Junior, divulgou nota oficial sobre as denúncias em que esclarece que o estado "não realiza pesquisas com cobaias humanas e condena o uso desta prática."

O Acre faria a captura do mosquito no momento da picada por meio de "atração humana", quando meias grossas são utilizadas para proteger a pele e o inseto é capturado antes da picada.

Segundo a secretaria, os técnicos de entomologia são treinados para capturar os insetos com aulas teóricas e práticas. "Desta forma, a técnica de atração humana está restrita aos profissionais devidamente conscientizados, capacitados, treinados para esse fim", diz a nota.

Segundo a secretaria, "a captura de mosquitos transmissores é um procedimento epidemiológico e entomológico de rotina, mundialmente adotado para o controle de vetores". O método seria aprovado pela Organização Mundial de Saúde.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Vitamina B12 : o mito

 
 
Uma das principais críticas à conduta vegetariana (principalmente, à conduta vegana, isto é, aquela em que não se consome qualquer produto derivado de animal tais como carnes, ovos ou leites) diz respeito à Vitamina B12.
 
Alegando ser o consumo de carne (ou derivados animais) necessário para a obtenção de vitamina B12 pelo organismo humano, a indústria do abate se mantém em franco crescimento.
 
O motivo é simples : Milhões de dólares anuais de lucros graças à indústria da carne.
 
Basta pensar um pouco no valor de uma cabeça de gado (um boi) e em toda a logística empresarial associada a esse sistema (fazendas, veterinários, atravessadores, frigoríficos, abatedouros, vacinas, etc). É comum estimar o poder empresarial de um pecuarista em função do número de cabeças de gado (três, cinco, dez mil ou mais) que este possui para criação e abate.
 
Saiba o leitor que uma cabeça de gado no Brasil corresponde a cerca de 1300 reais (http://www.assopec.com.br/pautadogado.htm).
 
Esse é o motivo do imenso lobby pró-carne no mundo e no Brasil.
 
A sua saúde (e a dignidade animal) é o que menos importa nesse sistema.
 
Um exemplo singelo dessa conduta hipócrita e falsa é a existência do Instituto Pró-carne (www.procarne.org.br)


Muito bem... Prossigamos.

Como o mercado alega ser o consumo de carne absolutamente necessário ao homem (pelo fato desta ser a "única" fonte de obtenção de vitamina B12), o leigo tende a descartar prontamente a conduta vegetariana/vegana já que entende que vegetais não fornecem vitamina B12.

Sendo assim, diante desse engodo, são necessários alguns fatos e esclarecimentos :

(Peço aqui ao leitor que tolere por alguns poucos segundos o eventual jargão bioquímico...)

A vitamina B12 é uma vitamina importante na formação do sangue, e necessária ao bom funcionamento do cérebro e Sistema Nervoso propriamente dito.

Detalhando mais: a vitamina B12 mostra-se envolvida na síntese e regulação do DNA além de participar em processos de síntese de ácidos graxos e produção de energia.

A vitamina B12 é uma complexa molécula de elevado peso molecular, normalmente portadora do elemento químico Cobalto em sua constituição (daí serem chamadas coletivamente de Cobalaminas).

http://pubchem.ncbi.nlm.nih.gov/summary/summary.cgi?cid=5479203

A vitamina B12 porém, é apenas uma de um grupo de 8 vitaminas do tipo B necessárias na alimentação. O agrupamento destas vitaminas do tipo B é chamado de Complexo B, a saber :

B1 (tiamina); B2 (riboflavina); B3 (niacina); B5 (ácido pantotênico); B6 (piridoxina); B7 (biotina); B9 (ácido fólico); e B12 (cobalamina).

Nota importante : Um frasco de Complexo B na farmácia com 90 pequenas drágeas custa aproximadamente 15 reais, ou seja, 6 centavos por drágea. Bastaria uma drágea a cada dois dias para suprir o organismo com um excesso de vitamina B12 necessário às funções vitais.

O uso do termo "vitamina B12" corresponde genericamente a uma das quatro variantes de vitamina B12 normalmente encontradas :

- cianocobalamina, hidroxocobalamina, 5-desoxiadenosilcobalamina (ou adenosilcobalamina) e metilcobalamina.

(onde na verdade a adenosilcobalamina é cofator (*) da enzima Metilmalonil Coenzima A Mutase (MUT) e a metilcobalamina é cofator da enzima 5-Metiltetrahidrofolato-Homocísteina Metiltransferase (MTR).

(*) cofator é uma molécula não-proteica que liga-se a uma enzima e é necessária para a ação biológica desta.

Atenção !!!

As moléculas de vitamina B12 não podem ser sintetizadas por animais e vegetais, sendo sintetizadas apenas por bactérias !!!

Espécies dos gêneros bacterianos a seguir são conhecidas como organimos capazes de sintetizar a vitamina B12 :

Aerobacter, Agrobacterium, Alcaligenes, Azotobacter, Bacillus, Clostridium, Corynebacterium, Flavobacterium, Micromonospora, Mycobacterium, Nocardia, Propionibacterium, Protaminobacter, Proteus, Pseudomonas, Rhizobium, Salmonella, Serratia. Streptomyces, Streptococcus e Xanthomonas spp.

As bactérias mais frequentemente usadas neste processo são a Pseudomonas dentrificans e a Propionibacterium shermanii.

A produção de vitamina B12 em escala industrial portanto ocorre através da fermentação de bactérias selecionadas e cultivadas em condições específicas.

(*) fermentação : processo de obtenção de energia através da oxidação de compostos orgânicos na ausência de oxigênio.

Assim, uma vez sintetizada a vitamina B12 por bactérias, o caldo bacteriano é coletado, processado e dele a vitamina B12 é purificada.

Como produto desse sistema de purificação temos a cianocobalamina. A cianocobalamina (uma forma de vitamina B12) na verdade não existe dessa forma na natureza. O grupamento ciano associado à cobalamina é um artifício industrial da purificação, uma vez que moléculas do tipo B12 ligam-se muito facilmente ao grupamento ciano.

Como esta forma da vitamina B12 (a cianocobalamina) é muito estável e insensível a oxidação (além de apresentar coloração vermelha característica e fácil cristalização), a mesma é amplamente usada como aditivo nutricional na indústria alimentícia.

É ela, a cianocobalamina (um produto bacteriano industrializado) que é a principal forma de vitamina B12 usada em alimentos na forma de suplemento nutricional.

- Mais detalhes sobre a Vitamina B12 :

A vitamina B12 tem como função recuperar os níveis de Ácido Fólico da célula aos seus níveis normais. Quando os níveis de Ácido Fólico encontram-se normais no organismo, todas as patologias relacionadas a níveis deficitários de vitamina B12 mostram-se inexistentes (é uma exceção a essa realidade, enfermidades intimamente ligadas à problemas nas enzimas MUT e MTR, onde a vitamina B12 é cofator essencial).

Muitas das funções que a vitamina B12 desempenha no organismo podem ser substituídas (ainda que não todas) pela presença de Ácido Fólico em quantidades suficientes. O ácido fólico é outro tipo de vitamina do complexo B (B9).

O ácido fólico (ou folato) é uma molécula muito usada na síntese de timina (T), um nucleotídeo essencial (juntamente aos nucleotídeos A, C, e G) na estrutura e informação contida no DNA.

Desde a década de 90, o Ácido Fólico tem sido sistematicamente implementado como aditivo nutricional à diversos alimentos, como por exemplo, farinhas. Portanto, a deficiência mundial para o Ácido Fólico tem se tornado relativamente mais rara.

Ainda assim, deficiências para vitamina B12 podem causar neuropatias e anemias sérias, mesmo se níveis de Ácido Fólico estiverem presentes nas quantidades sugeridas.

- Como o ser humano absorve a vitamina B12 ?

(1) A vitamina B12 ingressa no trato digestivo associada a glicoproteínas da saliva conhecidas como R-binders (haptocorrinas).

(2) Uma vez que as glicoproteínas são destruídas pela acidez do estômago, a vitamina B12 livre liga-se a um Fator Intrínseco (IF) estomacal o qual é produzido por células do próprio estômago (as chamadas células gástricas parietais).

(3) Essa associação da vitamina B12 com o fator intrínseco (IF), irá proteger a molécula do catabolismo bacteriano intestinal, local esse onde a vitamina será absorvida.

(4) O complexo IF/B12 é absorvido normalmente pela porção terminal do íleo no intestino delgado.

Agora atenção !!!

Indivíduos que apresentem enfermidades resultantes de deficiências de vitamina B12 não necessariamente praticam uma má alimentação! Estes indivíduos podem apresentar problemas em diversos outros pontos da etapa de processamento e absorção da vitamina B12 pelo intestino delgado.

Assim, antes de dizer que a dieta vegan (ou desprovida de carne e derivados animais) é a causadora de deficiência em B12, deve-se avaliar se os problemas estão relacionados ao suprimento de vitamina B12 na dieta ou se o problema está na má absorção de B12 e/ou processamento enzimático de B12 pelo organismo.

Saiba que a quantidade total de vitamina B12 armazenada pelo organismo oscila entre 2000-5000 microgramas (mcg) em adultos.

80% desse montante encontra-se no fígado.

Cerca de 0,1% dessa quantidade é perdida diariamente através das secreções gástricas. A dinâmica dos níveis de B12 no organismo está relacionada ao balanço de quanto de B12 é secretado e reabsorvido pelo organismo e o quanto é obtido pela dieta.

Atenção novamente !!!

Animais não produzem vitamina B12 !!!

A obtenção de vitamina B12 é direta ou indiretamente possível através de bactérias. Bactérias que produzem vitamina B12 normalmente vivem em regiões do aparelho digestivo do animal.

Assim, animais herbívoros (como o boi, p.ex, o qual é incapaz de produzir vitamina B12) a obtém de bactérias encontradas em seu rúmen ou através da fermentação de material vegetal no seu estômago.

Segue o link de uma tabela de alimentos que apresentam vitamina B12, elaborada pelo renomado Instituto Nacional de Saúde Americano (NIH) :

http://ods.od.nih.gov/factsheets/vitaminb12.asp#h2

Percebam que as três primeiras linhas da tabela (moluscos, fígado e cereais matinais) correspondem aos alimentos que apresentam respectivamente, 1400%, 780% e 100% das necessidades diárias (DV - Daily Value) para um adulto de vitamina B12, estabelecidas pelo FDA (Food and Drug Administration). A necessidade diária de vitamina B12 é de 6 microgramas (mcg).

Como descrito na tabela, a vitamina B12 é encontrada em alguns produtos de origem animal (em grandes quantidades no fígado e "frutos" do mar tais como moluscos, crustaceos e equinodermas). A Vitamina B12 também é encontrada em produtos lácteos e ovos. Ainda que ovos apresentem também vitamina B12 em níveis consideráveis, os ovos ao mesmo tempo apresentam um fator molecular que bloqueia sua absorção pelo intestino (referência : Doscherholmen A et al. (1975). Proc Soc Exp Biol Med, Sep;149(4):987-90).

Agora atenção a mais um detalhe :

A vitamina B12 é encontrada em grandes quantidades no fígado e frutos do mar !

A dieta carnívora moderna nitidamente não contempla ao fígado ou frutos do mar a posição de principal alimento nas refeições diárias de 90% da população moderna!!!

- E com relação a produção de vitamina B12 pelos vegetais ?

Plantas são capazes de fornecer vitamina B12 se as mesmas estiverem associadas às bactérias do solo que produzem B12 (encontradas normalmente em suas raízes). Ironicamente, o hábito de lavar intensamente os vegetais para consumo faz com que os índices de bactérias produtoras de B12 presentes em vegetais seja mínimo.

Mesmo assim, no mercado encontram-se diversos produtos alimentícios enriquecidos com vitamina B12 (cianocobalamina), tais como produtos à base soja, cereais matinais, barras de cereais, leites vegetais, refrigerantes e outros.

A culinária vegana tem por hábito obter quantidades mais que suficientes de vitamina B12 para a alimentação através da fermentação de grãos de soja, e a consequente produção de uma pasta chamada de Tempeh.

- Considerações Finais :

Como é possível notar, bactérias produzem vitamina B12.

Estas encontram-se normalmente habitando regiões do sistema digestório de animais, tais como os ruminantes (os quais alimentam-se exclusivamente de vegetais).

A vitamina B12 produzida por essas bactérias acaba sendo transferida a tecidos do ruminante, notoriamente armazenadas em grande quantidade em seus fígados.

É amplamente dominada a técnica de produzir vitamina B12 em escala industrial (através da fermentação de bactérias específicas produtoras de cobalamina).

A suplementação de vitamina B12 (na forma de cianocobalamina) e/ou Ácido Fólico  (B9) em alimentos indrustrializados é comum.

Como demonstrado, o custo da vitamina B12 é baixo (6 centavos de real por drágea). Cada drágea vem com quantidade diária em excesso para vitamina B12.

No que diz respeito ao consumo de carne e aquisição de vitamina B12 através da mesma, somente faria sentido defender a carnivoria caso o tipo de carne consumido fosse voltado essencialmente a peças de fígado ou frutos do mar (o que não é o caso). Se cereais matinais fornecem 100% da necessidade diária de vitamina B12, o consumo de carne perde significado com relação a esse quesito.

Assim, colocando-se na balança da Ética e da decência o motivo pelo qual submetemos animais não-humanos a uma indústria de sofrimento e desrespeito (sendo o motivo este em teoria a obtenção de vitamina B12 por meio de seus cadáveres) e os reais custos e necessidades da obtenção de vitamina B12 por outros meios (fermentação industrial de bactérias produtoras de vitamina B12), não há qualquer argumento lógico, ético ou moral que justifique a manutenção e estímulo à indústria do abate e humilhação animal.

Aquele que crítica a conduta vegan apoiando-se no discurso da vitamina B12, ou não sabe o que diz, ou esconde-se atrás da hipocrisia para defender um capricho gustativo e egoísta em detrimento do bem-estar dos animais.

sábado, 24 de maio de 2008

Uso de Animais na Ciência - 7


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O pesquisador, como homem de ciência, tem como objetivo maior a busca da verdade através dos fatos objetivos inerentes ao seu trabalho. A Ética é subjetiva e, entre seus preceitos, tenta estabelecer a relação entre o Bem e o Mal, portanto, ela jamais pode ser considerada científica. Aliás, a Ética é, em si, tão complexa, que é difícil enquadrá-la em qualquer dos ramos do saber, apesar de pertencer a toda atividade humana. Assim sendo, alcançar o equilíbrio entre a pesquisa científica e a Ética é muito difícil.

Não se contesta que preceitos éticos são complexos e relativos. Daí resultar difícil enquadrar a Ética como um ramo da ciência (um campo do conhecimento que busca a certeza). Ainda assim, o homem da ciência consegue discernir o fato da idéia, o subjetivo do objetivo, o preto do branco. Resulta simples para uma pessoa razoavelmente sensível, perceber que é interesse de todo ser vivo afastar-se de fatores lesivos ou desconfortáveis, e aproximar-se do maior ganho sensorial possível. Todo ser vivo busca o "prazer" e repudia a "dor". Essa é uma característica notoriamente observada no mundo vivo. Proporcionar o desconforto a terceiros é situação singular, normalmente apenas "justificada" mediante ameça a sobrevivência real e imediata. O uso de animais como objetos de manipulação e inferência científica a respeito da biologia humana mostra-se absurdamente ilógica, ultrajante e pouco eficaz. Por mais que a Ética seja um princípio relativo, não é possível ignorar o panorama atual vivido, resultado da exploração humana do reino não-humano. Há pouco tempo atrás negros, mulheres e judeus eram considerados entidades sub-humanas e portanto plenamente sujeitas a qualquer tipo de violência. Já não se defende isso. O homem constrange-se em rever semelhante comportamento ilógico.

Alcançar equilíbrio entre ciência e ética talvez seja uma realidade difícil, mas ainda assim resulta mais difícil aceitar a tremenda incoerência e paradoxo humano, que preocupa-se em defender uma postura ilógica e hipocritamente criticá-la ao mesmo tempo quando esta mostra-se de alguma forma inconveniente aos seus interesses. O capricho humano não justifica metade de seu modus operandi nem a realidade atual vivida. Mesmo assim, ele (o capricho humano) é defendido e cultivado a todo momento. Desde a infância...

A experimentação animal é um dos principais alicerces do progresso da Medicina. Sabe-se também que o progresso altera os códigos de ética e a sua interpretação, já que, por definição, as normas são subjetivas e arbitrárias. Diante desse fato, é preferível evitar-se qualquer extremismo, tanto por parte dos pesquisadores quanto daqueles que, por suas verdades transitórias, tentam alterar os caminhos do avanço científico.

Uma pequena revisão da História Humana mostra que os grandes saltos na Medicina foram aqueles que apoiaram-se na demonstração de fatos científicos experimentados no H.sapiens. Por mais que se usem modelos para inferir algo a respeito do homem, certezas serão apenas alcançadas quando o Homem for o objeto da experimentação. Em medicina e ciência trabalha-se com certezas, e não com suposições.

O progresso científico está longe de poder substituir os experimentos em animais por métodos alternativos. Por outro lado, não se devem ignorar os "direitos dos animais", que talvez não raciocinem e certamente não têm como se defender do homem, mas desejam viver sem sofrimento.

O homem subestima-se quando lhe convém. Não reluta em conquistar outros sistemas solares mas deprecia-se no momento de abdicar de uma prática que LHE é conveniente mas ultrajante a terceiros. O homem pode sim prescindir do uso de animais em laboratório. Basta entender e aceitar que animais de laboratório não correspondem a modelos precisos de sua biologia.

A utilização dos animais nas investigações científicas deve ser vista sob três aspectos: científico, ético e legal. Se o pesquisador mantiver a sua atividade equilibrada nesse tripé, terá maiores chances de progredir sem comprometer o seu trabalho e o seu nome.

Sob meu ponto de vista, o nome de alguém está já comprometido quando este reluta em evitar o sofrimento alheio. Sofrimento por sofrimento, então que esse sofrimento valha a pena no menor número de etapas possíveis. Se queremos entender a biologia humana e salvar vidas no menor espaço de tempo, experimentos em humanos satisfazem os preceitos acima. Experimentação animal é perda de tempo, dinheiro e muito mais vidas humanas Talvez a sociedade não aprove essa conduta por enxergar-se como potencial vítima da mesma estratégia. Mas então que ela não feche os olhos diante da mesma conduta e seus ultrajes quando a mesma for aplicada a outros que não eles mesmos, isto é, animais não-humanos. A hipocrisia não é uma qualidade.

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Uso de Animais na Ciência - 6


LIMITAÇÕES ÀS PESQUISAS EM ANIMAIS

Além das agremiações de antiviviseccionistas, já discutidas neste artigo, existem outros fatores que interferem nas pesquisas em animais. Os valores íntimos do pesquisador são, talvez, o maior obstáculo ao trabalho com animais. Qualquer ser humano que não tenha distúrbios de comportamento, sente uma grande dificuldade em provocar o sofrimento de um animal, por mais importante que seja o objetivo de seu trabalho. É necessário um penoso processo de supressão emocional em relação ao animal para que se possa realizar qualquer investigação. Essa situação torna-se ainda mais grave nos trabalhos de longa duração, em que é inevitável o envolvimento emocional do pesquisador com o animal.

Portanto, que fique claro o "penoso processo de SUPRESSÃO emocional" desejado. Um efeito em primeira análise totalmente artificial.

Se a pressão psicológica for insustentável, o pesquisador deverá afastar-se da investigação, porém divulgando as suas idéias, para que outras pessoas tenham a oportunidade de desenvolver o trabalho que possa resultar em uma contribuição científica importante. Um fato completamente imoral e inaceitável é o pesquisador, incapaz de realizar o trabalho, em decorrência de obstáculos individuais, obrigar seus subalternos a realizá-lo.


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Um fato COMPLETAMENTE IMORAL e INACEITÁVEL é o pesquisador, incapaz de realizar o trabalho, em decorrência de obstáculos individuais, obrigar seus subalternos a realizá-lo." O que acontece o tempo todo. É isso que acontece diariamente quando alguém que consome carne ou derivados animais em suas refeições PAGA para que uma empresa ou indivíduo execute e processe o animal que ele não tem coragem de executar. O cidadão comum não que ter real noção do que consome (por pura conveniência) uma vez que sabe o desconforto que isso envolve. O auto-engano.

A maior vantagem das pressões sociais sobre os pesquisadores foi a melhoria da alimentação e das condições de alojamento dos animais. Com vista também à proteção das pessoas envolvidas na pesquisa, tornou-se obrigatório vacinar os animais, tratá-los de eventuais doenças e assegurar a sua procedência. Em contrapartida, essas exigências oneraram substancialmente as investigações. Se for ponderado que a maioria dos recursos investidos em pesquisa são parcos e que os pesquisadores raramente são abastados, concebe-se o obstáculo que essa conjuntura traz à realização do trabalho. Nos Estados Unidos, por exemplo, cada cão custa, no mínimo, 30 dólares. Considerando o tipo de pesquisa realizada, sua duração, a alimentação e o ambiente a ser oferecido, o orçamento com cada animal pode alcançar várias centenas de dólares. Esse valor não inclui os demais gastos com a investigação. Em nosso país, ainda não se atingiu esse exagero, em contrapartida, o dinheiro investido aqui na pesquisa representa uma fração insignificante, comparando-se com a maioria dos outros países.

Mais uma vez fica evidente a consideração de animais como objetos e a importância de seus custos. É esse no final das contas um dos principais pontos que governa o uso de animais de forma indiscriminada em nossa sociedade: custos, custos, custos. Depois temos o aspecto "eles não podem se opor a isso". A "melhoria" das condições de alimentação, alojamento e tratamento dos animais é interessante à confiabilidade do experimento, e não, aos interesses do animal. O principal e único interesse dele nesse instante é NÃO PARTICIPAR DE EXPERIMENTAÇÃO CIENTÍFICA.

Mesmo o objetivo do trabalho sendo importante, o pesquisador deve ser capaz de realizá-lo com o mínimo de animais necessário à obtenção das respostas às indagações que originaram a pesquisa. Como a vigilância à investigação científica no Brasil ainda é muito precária, uma forma de se controlar o abuso contra os animais é através das instituições de fomento às pesquisas e das revistas especializadas em divulgá-las. Em ambos os setores existem profissionais competentes e com profundo conhecimento científico que limitam o fornecimento de recursos ou impedem as publicações dos trabalhos de pesquisadores afoitos que julgam, de forma errada, que a investigação científica se mede pelo volume de sua amostragem.


Diante de minha experiência em Ciência, tenho sérias dúvidas de que esse controle seja real e concreto em qualquer parte do mundo. Os interesses que prevalecem são todos, mas em último lugar sempre o interesse dos animais usados como objetos.

Uso de Animais na Ciência - 5


ESCOLHA DO MODELO ANIMAL

Ao se planejar qualquer prática em animais, seja para ensino ou para pesquisa, deve-se ter claro quais os objetivos do experimento. Os animais vivos somente devem ser utilizados nos casos em que forem indispensáveis. Os experimentos que não forem prejudicados por modelos in vitro ou por outras alternativas devem ser conduzidos desta forma.

Experimentos que usam animais como ferramenta têm normalmente por objetivo avaliar (1) resposta fisiológica (tolerância/letalidade) do modelo animal a um composto ou procedimento, (2) eficácia ou otimização de procedimento invasivo em modelo animal, (3) verificação de alteração comportamental ou fisiológica mediante algum estresse químico, físico ou biológico, entre muitos outros. Não há qualquer experimento que utilize-se de animal como ferramenta, que não o submeta a humilhação, injúria ou violação de princípios básicos de dignidade. Animais de laboratório são TODOS descartáveis a curto, médio ou longo prazo.

Antes de se escolher o animal, é preciso buscar na literatura subsídios para a opção mais adequada. Havendo mais de uma alternativa, utilizar os animais menos desenvolvidos filogeneticamente e que puderem ser obtidos em número suficiente, com maior facilidade. Esses princípios são responsáveis por serem os roedores, em especial os ratos, os animais empregados rotineiramente na maioria dos trabalhos científicos. Nos Estados Unidos, 88 % das práticas são realizadas com ratos, camundongos, cobaias e coelhos, enquanto cães são utilizados em 0,35 %, porcos, em 0,28 %, gatos, em 0,14 % e macacos, em 0,03 % das pesquisas e/ou aulas. Outros animais fazem parte de pesquisas especiais ou estão no domínio da Veterinária. Na Inglaterra, a proporção aproximada do uso de animais em pesquisa e ensino é: camundongos (65 %), ratos (22 %), coelhos (6 %), cobaias (4 %), cães (2 %), gatos (1 %) e macacos (< 0,1 %). Outros animais não foram registrados.

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Havendo mais de uma alternativa, utilizar os animais menos desenvolvidos filogeneticamente e que puderem ser obtidos em número suficiente, com maior facilidade." Esse é o indicativo básico do que usa-se como motivação na escolha de animais como ferramentas de experimentação: custo, quantidade, tempo dispendido, praticidade. Em nenhum momento consideram-se quaisquer aspectos éticos ou sensoriais, assim como não se considera que organismos filogeneticamente menos desenvolvidos fornecem na verdade indícios falsos ou imprecisos de comportamentos que não serão observados em organismos filogeneticamente mais desenvolvidos (como é o caso do uso de camundongos para inferir respostas no H.sapiens). Perceba o baixo percentual do uso de primatas para experimentação científica (ainda que o número de primatas sacrificados seja imenso na realidade). A razão é simples : 9 em 10 pesquisadores desejariam fazer experimentação em primatas (por serem o "modelo" animal mais parecido ao ser humano - obs: o único modelo adequado para estudar com precisão o ser humano é o ser humano propriamente dito). As verdadeiras razões pelo não uso de primatas como desejado são duas : (1) os elevados custos de manutenção e infraestrutura de biotérios de primatas, (2) a dificuldade de alguns centros ou técnicos de desvincular semelhanças entre primatas e seu alvo de estudo (o homem). Fica assim evidente o desrespeito e o paradoxo : se por um lado animais são tratados como objetos (desprovidos de sentimentos ou desejos) em que unicamente consideram-se aspectos orçamentários de sua manutenção, por outro lado alguns animais (primatas) são comparados à seres humanos despertando claramente o desconforto de submeter criaturas semelhantes a experimentação científica sádica e desrespeitosa. Fica a mensagem : o uso de animais de qualquer categoria é anti-ético e naturalmente desperta sensações que deliberadamente queremos ignorar por conveniência (maiores quanto maior for a semelhança à nossa espécie). As justificativas para uso de animais em laboratório, apoia-se na mesma lógica do uso de humanos com os mesmos fins.

O pesquisador deve conhecer bem as particularidades dos animais com os quais trabalha. Dados biológicos, como o tempo de vida, fases do desenvolvimento e características reprodutivas são parâmetros fundamentais a serem controlados. As necessidades nutricionais e o alojamento mais adequado, bem como o comportamento do animal frente aos agentes ambientais são outras particularidades prioritárias a serem dominadas pelo pesquisador, para evitar desconforto ao animal ou interferir no trabalho a ser realizado.

Traduzindo : por "evitar desconforto animal ou interferir no trabalho a ser realizado", o autor quer dizer que o que realmente importa aqui é o trabalho realizado. A preocupação com o desconforto animal não é levantada por razões éticas, mas sim porque o desconforto animal representa mais uma variante ambiental a considerar na análise final dos dados. E qualquer profissional de ciência (ou não) percebe que quanto menor o número de variáveis ambientais incidindo sobre o experimento, maior a confiança na análise do mesmo.

Os animais apresentam peculiaridades fisiológicas características a cada espécie. Tomando como exemplo a temperatura corpórea, na maioria dos mamíferos ela se encontra entre 38 e 39oC. Já a freqüência cardíaca varia desde 70 batimentos por minuto, no porco, e 80, no cão, até acima de 400, no rato e camundongo, passando pelo gato, com 120, e coelho, com 200 batimentos por minuto. O abdome dos mamíferos é, no geral, parecido com o humano, mas o fígado apresenta morfologia lobular diferente e o baço é proporcionalmente maior e mais móvel do que o humano, na maioria das espécies. No rato, o estômago é dividido em duas partes (pré-estômago e estômago), o apêndice cecal é muito maior do que o ceco e a vesícula biliar é quase inexistente.

Diante de tantas variações morfológicas, podem-se esperar que as diferenças fisiológicas sejam ainda mais complexas entre os animais e em relação ao homem. Contudo, a maioria das pesquisas realizadas com os animais adequados resultam em informações próximas das que podem ser esperadas no homem.

Me impressiona a incoerência lógica e científica entre profissionais que lidam com Ciência. "Informações próximas das que podem ser esperadas no homem" não tem o mesmo significado que "Informações idênticas das que são observadas no homem". O autor destaca claramente que animais não-humanos são exatamente isso: animais não-humanos. Portanto, animais não-humanos não devem ser considerados como "modelos" para inferência científica em humanos.

Existem subsídios na literatura para a escolha do melhor modelo animal. Dessa forma, o camundongo se presta mais às práticas de choque, sepse, queimaduras, obesidade, megacólon e câncer. Como já foi mencionado, o rato é o animal mais utilizado nas práticas científicas, porém ele é mais apropriado para trabalhos envolvendo choque, sepse, obesidade, peritonite, câncer, úlceras gástricas, operações intestinais, estudos do sistema mononuclear fagocitário, baço, cicatrização e transplantes de órgãos. O coelho é empregado para estudos sobre a pele, pesquisas imunológicas, choque, inflamação, colites ("Crohn"), operações vasculares e transplantes. O cão é outro animal muito útil à pesquisa e ao ensino de técnica operatória; as investigações mais comuns nesse animal são choque, má absorção, megas, colites, pancreatites, operações hepáticas e esplênicas, além de transplantes. Os outros animais não fazem parte da rotina de pesquisa. Assim, os porcos são estudados em trabalhos com fígado, úlcera péptica e transplantes; os cavalos em hematologia; e os macacos, em investigações comportamentais e nas pesquisas mais sofisticadas, com vista a aplicações subsequentes no homem. Os sapos e pombos são mais úteis em aulas práticas básicas.

Creio que o singelo parágrafo acima resume muito do absurdo que venho ilustrando.